Com o debate sobre meio ambiente, a moda sustentável surgiu como uma forma de diminuir o impacto da categoria, que é uma das que mais polui
A moda sustentável é aquela direcionada para uma produção e consumo com um menor impacto social e ambiental em seus processos de confecção.
Em um mundo onde as lojas fast fashion são tão populares, com a produção de grandes quantidades de peças por dia, que são consumidas e descartadas rapidamente, esse modelo de negócio traz uma nova visão sobre o consumo desenfreado.
De um lado, marcas que confeccionam suas peças rapidamente, em larga produção, por vezes às centenas por dia, muitas vezes são pegas com a contratação de empresas terceirizadas, que utilizam de uma mão de obra que trabalha em condições precárias ou até análogas à escravidão. Há casos de costureiras que recebem muito pouco por cada produção, trabalhando em lugares degradantes, e de onde não podem sair. Na outra ponta, clientes compram as peças mais baratas com muita frequência, usam e descartam algumas destas roupas, às vezes de forma inadequada, prejudicando o meio ambiente.
A atemporalidade das peças e a produção mais consciente passa por alguns aspectos como uma preferência pelo uso de matéria-prima orgânica ou reciclada, processos de fabricação mais ecológicos no uso de energia e água e a valorização dos trabalhadores de toda a cadeia de produção da indústria da moda.
Portanto, quem produz moda sustentável precisa ter essa visão social e ecológica como pilar em todas as etapas de produção. É preciso ter consciência sobre a origem da matéria-prima, processos de produção e condições de trabalhadores e até do destino do produto na hora do descarte pelo consumidor, pensando em sistemas de reuso e reciclagem das peças.
Princípios
Alguns princípios da moda sustentável são:
- Produção em pequena escala, com uso de matérias-primas e corantes menos danosos ao ecossistema;
- Reduzir desperdícios de tecidos durante o corte e costura e dar um fim adequado às peças no descarte das mesmas;
- Uso eficiente de recursos hídricos no cultivo da matéria-prima e nas produções das peças;
- Contratos éticos e que prezam pelo respeito e valorização do trabalhador, que irá exercer seu trabalho em um local adequado e com condições dignas na relação profissional.
Tipos de moda sustentável
Existem 3 tipos mais comuns de moda sustentável e com práticas que podem ou não ser combinadas entre si. Veja quais são elas:
Slow fashion
Esse conceito se contrapõe ao que é conhecido como “fast fashion” (moda rápida). No modelo de fast fashion, existe uma produção veloz no mercado de roupas, com muitas peças sendo produzidas por dia, a baixo custo, colocadas à venda e consumidas com certa frequência.
Isso passa pelo uso de mão-de-obra barata, e em casos mais graves, até em condições precárias ou análogas à escravidão. Além disso, são utilizados materiais mais baratos, sintéticos, e com técnicas de produção em massa, para garantir uma produção constante e a preço muito baixo. Isso atende um mercado desenfreado de consumo, com foco em tendências, mas que pela velocidade de produção e baixa qualidade nos materiais, acaba acarretando um descarte muito rápido das roupas e gerando novas compras.
Na contramão disso, a chamada “slow fashion” (moda devagar) prioriza um processo de produção mais focados no social e ambiental, com tecidos de boa qualidade, e processos que respeitam o ambiente e trabalhadores da cadeia produtiva. Se produz menos peças a um custo (e, geralmente, preço) mais altos e com incentivo às pessoas comprarem menos, mas com qualidade. Peças atemporais que podem ser usadas muitas vezes e depois doadas, vendidas para brechós e reutilizadas, e recicladas na etapa final são o foco deste estilo de produção mais devagar.
Moda ecológica
No modelo de produção de moda ecológica, embora também se analise o impacto social e econômico da fabricação, o foco no meio ambiente é imperativo em cada etapa.
Também conhecida como eco-friendly, amigável ao meio ambiente, a moda sustentável de natureza ecológica preza 100% pelo uso de matérias-primas ecologicamente corretas, como fibras naturais e tecidos reciclados. Além disso, todo o processo é focado em diminuir o impacto ambiental da produção das peças, como: corantes naturais, uso consciente de água e energia, processos claros sobre o descarte e reciclagem das peças.
A moda ecológica segue as tendências globais de maior atenção à preservação do meio ambiente e uso de recursos naturais. Além disso, interrompe uma tendência da moda produzida em massa no descarte inadequado de peças, criando maior consciência sobre os problemas ambientais que isso gera.
A moda ecológica não necessariamente é livre de crueldade animal, já que a escolha de algumas fibras naturais pode passar por algum tipo de exploração à fauna. Mas há empresas que podem optar por um modelo que é ecológico e, ao mesmo tempo, vegano.
Moda vegana
No caso da moda vegana, a produção é totalmente atenciosa sobre a origem dos materiais utilizados na produção de roupas, sapatos e acessórios, que não devem ter nenhum tipo de origem animal. Isso também pode ser combinado a outras práticas ecológicas e sociais, embora a questão animal precise estar 100% em conformidade com as práticas veganas.
Esse tipo de moda sustentável não utiliza nenhum material natural como couro, pele de animais, cashmere, lã, seda (retirada de casulos de bicho-da-seda), pérolas, e outros materiais originários da exploração ou abate de animais.
A crueldade animal é evitada em toda a cadeia de produção e passa, claro, pela lida com fornecedores com princípios equivalentes e onde nada é originário de animais ou testado neles.
Em alguns casos a prática também atua como uma moda ecológica, já que materiais como o couro animal, seda e lã, têm emissão de gases de efeito estufa mais altas do que algumas outras, como algodão, poliéster ou acetato, o que gera maior impacto no aquecimento global. Por outro lado, alguns materiais usados, como o couro falso, poliéster, acrílico e acetato podem conter microplásticos químicos e tóxicos para o meio ambiente, mas que respeitam a vida de todos os animais.
Impactos da indústria da moda tradicional
Com o crescimento econômico da população ao longo do tempo e maior acesso à compra de roupas, calçados e acessórios, além de muita publicidade nesse mercado, gerando maior ansiedade para que novas aquisições fossem feitas pelo consumidor, as roupas passaram a ser vistas como um produto de consumo. Isso gerou uma grande demanda e um mercado altamente produtivo para atender a necessidade dos clientes por novidades.
Nesse cenário cresce a produção “fast fashion” especialmente a partir dos anos 80, e ainda mais intensamente a partir dos anos 2000, com megalojas com variedades de peças e modelos que mudam a cada estação. O cliente compra, descarta, compra novamente, e esse ciclo de produção e consumo gera um impacto enorme na sociedade e na natureza. Veja alguns dos principais:
Consumo de água
A produção de uma única peça de calça jeans envolve, em média, o uso de 10 mil litros de água. Já um par de calçados de couro consome cerca de 8 mil litros. Em um só ano a indústria da moda, a que mais consome água, utiliza 93 bilhões de metros cúbicos desse recurso.
Fora isso, a produção de moda, em geral, pode, muitas vezes, envolver a contaminação da água. No tingimento de tecidos, a água não tratada pode geração contaminação química desse recurso. A fabricação do poliéster quando envolve o uso de produtos químicos como brometo de sódio, cobalto e óxido de antimônio também pode afetar os cursos d ‘água, se não houver um manejo adequado.
Para você ter uma ideia, o problema é tão grande que, conforme dados da ONU, a indústria da moda é responsável por 20% do desperdício de recursos hídricos do mundo. Por isso, é urgente uma moda mais sustentável no uso desse recurso.
Mão de obra barata
Algumas fábricas da chamada “fast fashion” na China, Bangladesh e aqui mesmo no Brasil já foram flagradas em situações degradantes de trabalho para seus profissionais, com abusos sendo cometidos de diversas formas.
Nesse mercado, pipocam relatos de jornadas exaustivas, que podem chegar a 10h, 12h por dia, seis, sete dias por semana, salários realmente baixos por cada peça produzida, em lugares insalubres, e que descumprem normas mínimas de segurança, além de alimentação restrita e até casos de privação do direito de ir e vir. Isto é, pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão nos dias de hoje para atender a ganância e urgência desse mercado.
Em Bangladesh, o edifício Rana Plaza que não cumpria normas adequadas de segurança desabou em 2013 matando 2000 trabalhadores. Além da falha de segurança, outros problemas já se acumulavam na rotina daqueles profissionais: uma jornada de 10h, durante 6 dias na semana e ao troco de R$360 por mês. Para se ter uma ideia, aqui no Brasil o salário mínimo na época era de R$ 678.
Em São Paulo, há vários casos de bolivianos resgatados de situações análogas à escravidão. Atraídos por oportunidades de trabalho aqui no país, alguns já chegam endividados, com pagamento de passagens e vistos de entrada superfaturados. Há relatos de jornadas de mais de 11h diárias, sem pagamentos – ao troco de moradia e comida ou a valores muito baixos por item produzido, que não chegavam sequer a 1% do valor pelo qual a peça era vendida para os clientes posteriormente. Fora isso, locais sem ventilação, com fiação exposta e junto aos tecidos, altamente inflamáveis, criavam uma situação de risco enorme aos trabalhadores.
Romper esse ciclo é um fundamento para a moda sustentável, que procura criar um ciclo positivo para todos os profissionais dessa indústria.
Resíduos têxteis
Você já ouviu falar do cemitério de roupas no deserto do Atacama, no Chile? São 60 mil toneladas de roupas jogadas no deserto e que, pela dimensão tomada do descarte, já podem até ser vistas do espaço!
Essas peças saem de países da Europa, Ásia e Estados Unidos para serem revendidas no Chile, mas acabam tendo um descarte inadequado. Ali, há tanto peças usadas, como novas, que não foram vendidas por algumas marcas.
Mesmo no Brasil, são geradas 170 toneladas de resíduos têxteis por ano, segundo o Sebrae, sendo que 80% disso vai parar em lixões e aterros sanitários.
Os resíduos são hoje um problema mundial por conta da produção massiva de roupas e que a moda sustentável visa combater.
Impactos ambientais
A indústria da moda é responsável por 8% dos gases do efeito estufa, segundo a ONU. Além disso, a produção é responsável por 70% dos gases, e o transporte, distribuição e uso de roupas pelos outros 30%, segundo o relatório Fashion on Climate, da McKinsey. Por isso, os impactos ambientais são um ponto relevante na criação da moda sustentável, pois podem reverter ou, ao menos, diminuir consideravelmente esse impacto.
O descarte de peças de tecidos sintéticos, produzidas a partir do petróleo, ou mesmo a lavagem das peças no dia a dia, podem soltar milhões de microplásticos que acabam na água potável, ameaçando inclusive a existência de espécies de peixes, que podem confundi-los com comida e se intoxicar. Este mercado descarta meio milhão de toneladas de microfibras – o equivalente a 3 milhões de barris de petróleo – por ano, no mar, segundo dados da UNCTAD. Nesse sentido, a opção por materiais naturais tende a diminuir esse problema.
Ações que ajudam na sustentabilidade
Algumas ações que podem ajudar a criar uma cultura sustentável são:
- Entender todo o processo de produção, com escolhas de matéria-prima de menor impacto ambiental e parceiros e fornecedores engajados com a pauta;
- Adotar um modelo de redução de desperdício de água, papel, energia, materiais;
- Criar de um modelo de economia circular, com foco na redução de lixo e reciclagem;
- Conscientizar e engajar toda a equipe na cultura de moda sustentável e atenção às cadeias de produção;
- Respeitar cada trabalhador envolvido nas etapas da produção, mesmo os da última ponta, de empresas terceirizadas, oferecendo condições dignas de trabalho;
- Firmar parcerias com projetos sociais, para a geração de renda para grupos vulneráveis, como, por exemplo, de mulheres artesãs;
- Buscar certificações, selos ambientais e ações para compensação ambiental como, por exemplo, o plantio de árvores.
Como produzir e vender neste mercado?
Para começar um negócio de moda sustentável, a primeira etapa é definir com qual alinhamento sua marca irá se posicionar: ecológico, vegano, slow fashion, ou até combinar mais de uma modalidade.
Isso será fundamental para estabelecer as pautas que irão nortear sua empresa. Com isso, você pode começar a definir seu portfólio de produtos, fornecedores com quem irá trabalhar (que tenham afinidade na pauta) e o modelo de negócio (físico, digital ou híbrido).
Conheça bem seu cliente e cheque, a todo o tempo, se sua empresa e produtos estão em conformidade aos valores que você quer passar. Isso precisa ser feito com uma visão completa do negócio. Por isso, caso contrate empresas terceirizadas em alguma etapa da produção, não deixe de conhecer seus valores, instalações, relação com profissionais e até ir presencialmente visitá-las, ocasionalmente, se possível, para checar o dia a dia delas.
A própria escolha de embalagens para seus produtos precisa ser pensada na sustentabilidade. Por isso, pensar em materiais recicláveis e reutilizáveis também nesta etapa é o ideal.
Clientes desse mercado tendem a buscar informações detalhadas sobre os produtos que consomem, por isso, compartilhe com eles seus propósitos e práticas. É importante que eles conheçam os materiais usados em cada peça e tenham informações sobre como sua marca trabalha para diminuir impactos ambientais e sociais. Se você tem uma loja física, seus vendedores precisam ser bem treinados para responder a questões sobre matérias-primas e processos. Caso venda online, detalhe essas informações de práticas e valores na descrição da marca e sobre os materiais usados na descrição de cada produto.
Pense a longo prazo
Não se esqueça de planejar e estruturar o destino das roupas vendidas por sua loja. Você pode:
- Estimular a revenda da peça em um brechó virtual da sua marca ou em outro local, a escolha do cliente;
- Defender a doação das peças usadas para entidades carentes – inclusive sua loja podendo organizar isso, recebendo e encaminhando as peças para ONGs parceiras;
- Contar com postos de coleta na sua loja ou em lojas parceiras para receber e reciclar o item.
Conscientize seus clientes sobre a qualidade da compra que estão fazendo, a cadeia de produção diferenciada, e que justifica o preço mais alto comparado às lojas de fast fashion. Mesmo com preços mais elevados, a maior qualidade das peças poderá ampliar a vida útil destas roupas e diminuir a frequência de compras. O cliente pode comprar menos por impulso, e mais por qualidade e atemporalidade, além de gerar um impacto mais positivo pro ambiente, desde a aquisição até o descarte do item comprado.
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